sexta-feira, 4 de outubro de 2013

À beira de crescer


 Quando brincávamos de encontrar quem se escondeu, correr atrás de quem esta correndo, cozinhar pedras, dirigir o carrinho de plástico e vestir a boneca para o baile; sequer imaginamos que passaríamos a vida toda fazendo a mesma coisa. Afinal alguns romances tem o trágico fim de uma das partes esconder-se enquanto o outro procura desesperadamente o seu futuro despedaçado, e chega o dia em que as dificuldades financeiras são tão indissolúveis quanto pedras. Mas tristeza maior não há do que perder entes-queridos em acidentes de carros que se esmagam como se fossem de plásticos! Agora a vida tem a razão de um teorema. A vida tem momentos tão lindos que se descritos dispensa as expectativas tão bem almejada. 
A infância de Sarinha passou tão rápido quanto uma primavera no Central Park. Em uma ligação, enquanto eu morava em outro estado do sul, Alma me disse que Sara havia começado a andar. Em outra ligação enquanto eu morava no oeste do mesmo estado que Alma, ela me contou que estava morrendo de medo de rancar os dentinhos de Sara e por isso iria extrai-los no dentista. Foi quando ela me autorizou rancar o primeiro dentinho e eu peguei o avião numa tarde muito linda de outono e fui passar o fim de semana com elas, Sara já era minha amiga tanto quanto a mãe. Ontem peguei a gravação do momento em que eu ranqueei um incisivo central, no vídeo que Alma gravou e dirigiu, o único som foi o som do coração de Alma, pois Sarinha desde a tenra idade era extremamente delicada porém quando enchia os peitos de ar, ela agia com uma coragem ensolarada. Alma por sua vez era similar, mas não podia deixar de sensibilizar-se com o primeiro passo de Sara à vida adulta.  No vídeo as mãozinhas de Sara agarravam meu pescoço para absorver ainda mais confiança. Quando vejo essas gravações tão amadoras e tão puras, eu assisto em meu coração o quanto é inédito certas cenas. Terminado o fim de semana voltei com um abraço de Sara, outro de Alma e o dentinho no bolso.
Juro que pouquíssimo tempo depois, enquanto eu morava no norte recebi um SMS de Sara, dizendo:
"Amanhã estarei entrando no ginásio,
Parece que no ginásio é tudo mais difícil...
Saudades! Um grande abraço!"
 Assim que eu pude liguei para Sara e reafirmei a confiança que eu tinha no potencial dela, que já tinha o dente inciso central crescido mas  ainda rancava alguns outros. Em seguida liguei para Alma e ela mais uma vez estava comovida com aquele momento distinto em que Sarinha sentia-se à beira de um conjunto de expectativas e pela primeira vez ela sentia-se seriamente preocupada com seu fofíssimo futuro. No dia seguinte encaminhei pelo correio um caderno de capa dura com a gravura de uma primavera e com a música "O caderno" de Toquinho na contracapa como dedicatória.
Sara tirou de letra o ginásio, mas ainda neste período ela completou doze anos, e se tornou um tanto mais distante. Alma por sua vez teve de volta algumas pequenas liberdades, a liberdade de iniciar um novo romance, depois de alguns anos, contudo este novo romance foi tão forte e rápido quanto o aroma do café quando esta em ebulição. Separaram-se rápido o suficiente para que não chegassem a casar e demorado o suficiente para Alma não perceber que sua filha estava precisando muito dela. Eu ainda morando no norte do país consegui o cargo dos meus sonhos numa faculdade de ciências humanas. Outra liberdade que Alma voltou a desfrutar, foi das pequenas farras noturnas em bares e festas. Não dormia fora de casa mas começou a chegar um pouco tarde e encontrava sua mocinha dormindo.
 Eram dias de mudanças no país, inúmeros jovens saiam pelas ruas de centenas de cidades em busca de melhoras significativas na educação, direitos humanos e transporte público. Eles usavam mascaras e sofreram enxovalho de policiais através de gás lacrimogênio e balas de borracha. A música moderna vangloriava momentos de ocaso, de introspecção. E Havia um novo quadro de jovens atentos ao RAP que por sua vez incitavam um comportamento mais ativo na sociedade. Foi onde mãe e filha se encontraram de novo. Alma como era próprio de sua personalidade foi pioneira em organizar as reuniões e os próprios protestos, ela era uma das principais comunicadoras entre os ativistas e o grupo jurídico que acolheu o movimento. Enquanto este movimento gigante despertava Sara tinha nos olhos um brilho que cintilava de admiração pela alma que despertou em Alma naquele momento. Essa admiração esta evidente nas fotos que ambas publicavam nas redes sociais. Mas ainda acontecia dentro de Sara mudanças inquietantes das quais ela ainda tinha dificuldades de falar em plenos doze anos de idade.
 Sarinha já havia se adaptado bem às novidades do ginásio, já sabia de cor o quadro de horários do ano letivo, fazia anotações chaves dos assuntos discutidos em aula, entregava com pontualidade os trabalhos e organizava bem os grupos de estudos. Um desses grupos era de literatura.  Aos treze anos de Sara, Alma lhe presenteou com uma camisa bem decotada, que caiu muito bem com o corpo moreno e afortunado de prendas que Sara a esta altura já tinha bem definido. A menina já desenvolvida foi para o estudo de grupo com esse vestido. Haviam mais três colegas além da própria neste grupo, eram Bia, Janete e Suzana. O modo como Janete, que já tinha quatorze anos, olhava para Sara era desconcertante demais para uma menina que ainda estava se acostumando com seu novo corpo porém era agradável, fazia o seu coração pisar mais forte em suas batidas. Por que a paixão é o começo de uma revolução dentro de nós. Toda paixão incita revolução e para crescer nada melhor que uma boa revolução; porém em todo o histórico de revoluções sucederam inevitavelmente perdas e sofrimentos irremediáveis. Em todo o histórico de paixões, também.


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