segunda-feira, 7 de outubro de 2013

À beira da razão

Algum estudo deve apontar que a idade onde mais nos prestamos a ouvir a razão é a idade adulta, e esse estudo deve estar certo. Jovens de um modo geral costumam atentar acentuadamente para as emoções, enquanto um adulto geralmente esta atento a relação de valores entre duas grandezas. Tanto Alma quanto eu, ainda não compreendemos muito bem o que é ver a razão. Ou ouvir a razão. Pessoas como nós dois vivem com imensa dificuldade de compreender a vida adulta. Ainda gostamos loucamente de coisas que deveriam ter ficado nos anos noventa. Não trocamos nada por um jogo de pega-varetas, uma molamania ou nossa coleção de tazos. Ainda compramos LP's, ainda somos loucos por Xuxa, ainda brincamos de pegar jacaré na praia. A tecnologia é importante em nossas vidas, mas o abraço é imprescindível.
 Ouvir a razão é vital em alguns momentos. Calcular duas ou três informações e chegar a um denominador comum pode ser uma questão de vida ou morte. A razão pode te encaminhar a uma vida profissionalmente realizada (ou não). Muito vai depender das informações que você pretende reunir e quais decidiu subtrair. A matemática trabalha com a razão a poesia com a emoção. A ciência estuda a razão, o artista a estuda a emoção. O motorista calcula seu caminho através da razão, um romancista calcula o futuro dos seus personagens através da emoção. Por isso esse momento esta sendo um tanto difícil pra mim. Pois não é fácil explicar que para uma mulher tão avante quanto Alma, será difícil de compreender a homossexualidade de sua filha. É difícil contar que Sara esta tendo imensa dificuldade de se abrir para a mãe e contar dos beijos e amassos que aconteceram entre ela e Janete no quarto de Bia.
  Janete não precisou em nenhum momento assumir-se gay para a família. Ela simplesmente foi crescendo e automaticamente evidenciando sua masculinidade até que um dia estavam indo para praia e enquanto o pai estacionava o carro, passou uma morena muito alta, de extrema elegância usando um biquine rosa que levou Janete expontaneamente dizer:

- Que Góx-tooo-saaa!

Um silencio. Um sorriso. E as portas do carro se abriram. Todos desceram e Janete inocentemente continuou acompanhando a morenaça com os olhos.

 Conheci poucas lésbicas.  Dois ou três casais, mas eu me lembro que lá nos meus 14 anos eu era fissurado pela Adriana Calcanhotto, lá naquela época li certa reportagem de que ela havia oficializado uma união estável com Suzana Morais. E ainda nesse mesmo tempo havia do outro lado da rua que eu morava uma moça chamada Nara, que do dia pra noite apareceu usando shorts masculinos e camisas regatas masculinas e o visual que era completamente feminino ainda ganhou um corte de cabelo bem curto tal qual o de Adriana Calcanhotto no inicio dos anos 2000. Eu assumi pra todo mundo minha paixão por Nara! Todos riam muito dessa minha "paixão" embora pra mim fosse verídica. Eram duas grandezas ela e Adriana e no meio tinha meu sentimento em busca de compreende-las. Quanto a assumir minha sexualidade não foi tão diferente do que será para Sara.

 Houve um inverno muito violento e numa tarde dessas de tempestades monstruosas a faculdade onde eu ainda trabalhava não funcionou e em casa recebi uma ligação. Era Alma arrasada! Indaguei sobre o que havia acontecido e ela respondeu que estava aflita, que sentia-se a pior mãe do mundo e chorando disse que nada tinha dado certo pra ela. Não foi dessas ligações em que um grita de um lado e o outro grita também. Não! O silencio é a melhor exclamação. A respiração é o melhor espaço que pode haver entre uma palavra e outra. E para o coração não há resposta melhor que um ouvido que escuta. Quando Alma retomou a voz, foi que começou a me explicar. Disse que Sara entrou no banho e deixou o celular na mesa. Alma jamais iria mexer no celular de sua filha pois compreendia muito bem a necessidade de confiança;  e privacidade àquela altura  da vida. Contudo o celular estava na sua frente e começou a tocar. Era uma mensagem, Alma disse:
- Filha seu celular esta tocan...

No visor do celular apareceu a mensagem, era uma poesia que Janete lhe enviara, dizia:

  Moça, como eu!
  Linda como um folclore
  Mais lábios,
  Seios como uma árvore.
  Mas sábios são seus
  Olhos de mármore!

Alma entrou em pânico, inevitavelmente vasculhou outras mensagens e desaguou numa enchente de mensagens afetivas entre as duas. Antes que pudesse se recompor, Sara abriu a porta do banheiro e o celular estava tão aceso quanto a inquietação de sua mãe. Imediatamente indagou;

- Mãe, a senhora mexeu no meu celular?
- Porque você não me disse antes?

Sara não sabia se deveria confirmar alguma coisa ou simplesmente distrair aquela mensagem, ainda em dúvida disparou a chorar ainda enrolada na toalha.

 - Onde foi que eu errei? - Indagou Alma
As duas ficaram em silencio durante um bom tempo e Alma foi para o quarto, Sara ainda chorou durante mais um tempo até que Alma me ligou, e eu acalmei ela. Mesmo ficando completamente surpreso. Sempre percebi uma personalidade forte em Sarinha, mas ainda assim ela era bem mimadinha, e feminina, e invariavelmente encantadora. Aconselhei Alma a se acalmar e quando estivesse preparada que conversasse melhor com Sara. Ela fez tudo ao contrario, desligou o celular e foi até o quarto de Sara.
- Desde quando você me esconde isso?
- Isso o que mãe?
- Que você é Gay - Disse Alma, com desdém nítido no tom de voz.
- Mãe, não é melhor conversarmos depois?
- Não, eu quero saber dessa putaria agora! (explosão)
- Mãe! O que ta acontecendo? A senhora sempre defendeu a liberdade, sempre foi tão acolhedora com as diferenças...
- Sim, mas as diferenças lá fora! Aqui em casa é outra história!

Deve existir alguma lenda que diga que um santo não costuma fazer milagre para os seus. Alma era sim uma mulher vanguardista, avante e desbravadora. Porém, havia naquele momento uma inquietação projetada na filha. O problema não era a questão da filha ser gay ou não. Mas sim sua frustração como mãe. Seu maior investimento na vida foi indistraidamente Sara. Portanto não estava entre seus planos que surgisse qualquer vestígio de possível erro na pessoa de sua filha. Ainda nessa conversa Alma friamente determinou o fim da amizade entre as duas. E de qualquer relação entre as duas moças. Há uma razão para que aconteça assim? Há alguma razão no mundo para que pessoas boas se comportem com essa atitude? Há algum medo racional?

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